Telefone chorou de saudade

10:34

A dor da gente não sai no jornal. — Chico Buarque.
Vai lá, pega o celular, mas não fica nas atualizações do facebook não, nem visualizar as notificações do whats up; liga! Mas liga mesmo, digita os 9 números que ficam martelando em sua mente, piscando com luzinhas neon, em um incansável lembrete de que sente vontade de fazer isso.

Não perde tempo não! Nem deixa para amanhã, o que o coração pede hoje. Para quê? Isso não irá te fazer dormir mais tranquila; duvido eu que sem essa ligação sejas capaz de pregar os olhos. Contar carneirinho não vai funcionar dessa vez, você não tem mais só 6 anos.

Digo isso pelo teu bem, mas mais pelo teu corpo mesmo. Como ousas deixá-lo nesse estado de aflição por meses? Se eu fosse ele, te deixava na mão! Deixava mesmo, quando estivesse lavando louça, a mão falharia e o prato se espatifaria no chão; se fosse correr para pegar o ônibus, sendo seus joelhos, eu fraquejaria e cairias ajoelhada para deixar de ser boba! Onde já se viu... Seu corpo não merece esse mal trato só porque tens medo da felicidade. Não seja injusta, e não o condene a carregar por mais meses esse peso emocional nas costas, e no coração; bem sabes que uma hora o peso cai e escorrega ao chão, pelos olhos.

Vai preferir molhar a fronha do travesseiro do que movimentar os dedinhos pelos dígitos virtuais? Começo a duvidar de sua esperteza. Como foi que passou mesmo no vestibular? E não é possível que ainda não tenham te demitido por falta de bom senso.
Exato, tão boa no que pedem no trabalho; e tão sem noção no que te toca a vida. Abre a alma, e pega o telefone. Digita o 9 e depois continua a sequência numérica, que te encaminhará para a voz mais linda do mundo.

Liga logo para essa pessoa que possui metade do seu coração! Não viemos ao mundo para viver de metades! Vai buscar a sua, ou pelo menos ouvi-la, afinal já é de madrugada, não pega bem uma visita a cidade vizinha. Só chegarias no horário em que o visitado não está na residência...

Não te preocupes, não ei de contar nem a sua sombra esse momento de lucidez; sua família só saberá se você contar. Espero que conte, mas conte com essa pessoa de mãos dadas a seu lado, só assim teria graça!

Não se faça mais de tola, já deu desse papel! Agora é hora de ser sincera consigo mesma, abrir o coração, e ser impressionante aos olhos dessa pessoa. Essa criatura incrível que faz teu coração palpitar em um ritmo desconhecido e descompassado, que compõe uma bela melodia amorosa. Não é nenhum problema cardíaco genético, e garanto. Confie em mim... Não, melhor ainda: confia em si mesma e liga.

Começa com o clichê Alô e já emenda em um "Senti sua falta". Se não sobrar coragem depois do Alô, só deixa claro isso: "Não é nada não, eu só quis te ligar, porque...". Faz essa pausa mesmo, que para bom entender, as ideias se formaram; e nesse meio segundo de compreensão alheia, você respira fundo, enche o pulmão de coragem e sussurra: Só senti sua falta!

Não precisa mais nada, agora é esperar, e voltar a respirar como gente; a resposta virá. Pode ser que demore, pode ser em meio segundo. Pode ser que ouça a voz aveludada te confortar, ou um riso gostoso ecoar do outro lado. Pode ser ainda que fiques sem resposta. O telefone pode ficar mudo, ou até mesmo ser desligado.

Seu coração aflito pode até ficar em pedaços novamente. Mas quem sabe, aqueles quilômetros, angustiantes e físicos, de distância não vão sendo diminuídos conforme você se distancia do telefone em sua mão? Prepara um chá calmante para se recompor... Pode ser que antes do amanhecer, uma moto descontrolada freie bem a frente do seu portão, e você nem note; e que um soar ansioso rompa o silêncio de sua tristeza, só para te avisar, que aquela pessoa chegou!

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